Gastronomia

IGs capixabas: tradição, território e valor que vêm da origem

O Espírito Santo conta com 11 Indicações Geográficas. Nove são do tipo Indicação de Procedência (IP) e duas Denominações de Origem (DO)

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IGs capixabas: tradição, território e valor que vêm da origem IGs capixabas: tradição, território e valor que vêm da origem IGs capixabas: tradição, território e valor que vêm da origem IGs capixabas: tradição, território e valor que vêm da origem
Foto: Breno Ribeiro
Foto: Breno Ribeiro

Por trás de um café encorpado das montanhas, de um cacau robusto colhido às margens do Rio Doce ou de uma a de barro moldada à mão em Goiabeiras, existe mais do que qualidade: existe história, técnica e um vínculo direto com o lugar onde aquele produto nasceu. Essa conexão entre produto e território é o que está no centro das chamadas Indicações Geográficas (IGs), um selo de identidade e procedência que vem ganhando cada vez mais espaço no Espírito Santo.

IG é o reconhecimento oficial de que um produto tem características únicas por causa do lugar onde é feito. Pode ser por fatores naturais – como clima, altitude, solo – ou culturais – como o modo tradicional de fazer, transmitido por gerações. É uma forma de valorizar o que é nosso, de diferenciar no mercado e de proteger os saberes locais. No Brasil, o selo é concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com apoio técnico do Ministério da Agricultura.

Atualmente, o Espírito Santo conta com onze Indicações Geográficas registradas. Nove são do tipo Indicação de Procedência (IP), quando o nome da região já é reconhecido por sua fama ou tradição. As outras duas são Denominações de Origem (DO), mais restritas, que exigem uma relação direta entre o produto e o meio geográfico – como clima e relevo – que impactam sua qualidade.

Conheça os produtos capixabas com IG:

Foto: Arquivo Pessoal
  • as de Barro de Goiabeiras (IP) – Um dos ícones da cultura capixaba, as as são feitas artesanalmente pelas eiras de Goiabeiras, em Vitória. A técnica de produção, ada de mãe para filha, mistura argila com casca de mangue, em um processo de queima e acabamento que garante resistência, sabor e identidade.
  • Mármore de Cachoeiro de Itapemirim (IP) – Reconhecido nacionalmente, o mármore extraído da região sul do estado destaca-se pela variedade, durabilidade e acabamento. A tradição da extração e beneficiamento remonta ao século XIX e é uma das forças da economia local.
  • Cacau em Amêndoas de Linhares (IP) – A região norte do Espírito Santo, especialmente Linhares, reúne condições climáticas ideais para a produção de cacau de alta qualidade. O reconhecimento do IG valoriza o fruto capixaba, com alto teor de manteiga e sabor diferenciado, e fortalece o movimento de cacau fino e sustentável.
  • Inhame de São Bento de Urânia (IP) – Cultivado em uma região de clima ameno e solo fértil, o inhame de São Bento de Urânia, distrito de Alfredo Chaves, ganhou fama pela textura macia e sabor suave. O modo de cultivo familiar e tradicional fortalece a identidade do produto.
  • Socol de Venda Nova do Imigrante (IP) – Herança da imigração italiana, o socol é um embutido artesanal feito com lombo suíno, salgado e curado ao ar por até três meses. É um símbolo da cultura e da gastronomia das montanhas capixabas e hoje um atrativo turístico da região.
  • Café Conilon do Espírito Santo (IP) – O estado é o maior produtor nacional de conilon, e o reconhecimento como IG fortalece a qualidade do grão cultivado em áreas como o norte capixaba. A produção combina tecnologia com saber local e tem ganhado destaque internacional.
  • Pimenta-do-reino do Espírito Santo (IP) – Produzida principalmente no norte do estado, a pimenta-do-reino capixaba é reconhecida pela alta qualidade, aroma intenso e características marcadas pelo terroir local. A IG valoriza o cultivo tradicional e sustentável feito por pequenos produtores.
  • Pimenta-rosa de São Mateus (IP) – Extraída do aroeiro silvestre e colhida manualmente, a pimenta-rosa de São Mateus se destaca pelo sabor levemente adocicado e pela cor vibrante. A prática tradicional de colheita e secagem natural é uma herança cultural da região.
  • Beiju de Sapê do Norte (IP) – Produzido por comunidades quilombolas no norte do estado, o beiju é feito com mandioca ralada, prensada e assada em forno de barro. Além do sabor autêntico, carrega a ancestralidade e a resistência cultural do povo quilombola de Sapê do Norte.
  • Cafés Arábica das Montanhas do Espírito Santo (DO) – Cultivados em altitudes elevadas, esses cafés têm características sensoriais marcantes, com notas florais e frutadas, acidez equilibrada e doçura natural. O relevo acidentado e o clima ameno são essenciais para a qualidade do produto.
  • Cafés Arábica da Região do Caparaó (DO) – Com plantações que chegam a 1.400 metros de altitude, os cafés do Caparaó conquistam prêmios e paladares pelo mundo. A combinação de clima de montanha, solo vulcânico e técnicas pós-colheita refinadas tornam esses grãos únicos.

Mais que um selo, uma estratégia de território

Ao receber o selo de IG, o produto não ganha apenas um símbolo na embalagem. Ganha também uma nova perspectiva de mercado, valorização da origem, estímulo à organização coletiva dos produtores e, potencialmente, melhores preços. No entanto, como lembra a auditora fiscal federal agropecuária Beatriz de Assis Junqueira, que atuou na coordenação nacional de IGs no Ministério da Agricultura, o sucesso da IG depende da mobilização local e de uma estratégia mais ampla:

“O selo por si só não é garantia de progresso. É preciso que a coletividade conduza o processo, comunique bem seu valor e mantenha padrões de qualidade”, afirma.

Auditora fiscal federal agropecuária Beatriz de Assis Junqueira

As IGs também protegem os produtores contra o uso indevido do nome geográfico por terceiros. É uma forma de blindar o mercado e garantir que apenas quem realmente faz parte daquela cadeia produtiva e segue o caderno de regras da IG possa usar o nome da região no rótulo.

Caminhos futuros

No Espírito Santo, outras regiões e produtos já se movimentam em busca do reconhecimento de IG. O movimento é promissor e tende a crescer, à medida que produtores entendem o valor que vem da origem, e que consumidores buscam por autenticidade, sustentabilidade e história no que consomem.

A coluna vai aprofundar, nas próximas publicações, o papel das IGs no desenvolvimento das regiões capixabas, ouvindo produtores, associações e especialistas. Afinal, entender a origem é também entender quem somos – e o que o Espírito Santo tem de melhor para oferecer ao mundo.

Alessandro Eller

Colunista

Chef de cozinha, apresentador do reality show "Chef de Família" da TV Vitória/Record TV. É presidente do Instituto a de Barro e professor de Gastronomia na Universidade de Vila Velha

Chef de cozinha, apresentador do reality show "Chef de Família" da TV Vitória/Record TV. É presidente do Instituto a de Barro e professor de Gastronomia na Universidade de Vila Velha